Há pouco tempo escrevi um post no blog sobre trabalhar para pagar a creche (o post do blog mais lido e comentado de sempre) e mencionei a possibilidade de dormir com o bebé (que é a nossa realidade) e apercebi-me de que várias pessoas (que penso que possam representar a generalidade da população) não acham viável dormir com os filhos. "É absurdo...", alguém escreveu.
Então decidi escrever este post mas antes de mais quero deixar bem claro qual é a minha intenção com esta partilha. Escrevo este post acima de tudo para partilhar a nossa experiência de cosleeping com o nosso bebé, explicar porque é que o fazemos e partilhar alguma informação que recolhi de fontes que acredito serem fidedignas sobre os seus benefícios.
Não é de todo minha intenção tentar converter ninguém ao cosleeping, não quero acusar ninguém de não o fazer, não quero que ninguém se sinta culpado se não o quer fazer ou não o pode fazer. Esta é a nossa vida que partilho com vocês com muito carinho. Cada família saberá certamente o que é melhor para si e para os seus filhos. Este post é desprovido de qualquer intenção de julgamentos!
O que é cosleeping
(Nota: vou usar o estrangeirismo “cosleeping” pois não conheço nenhuma palavra em português que a substitua e torna-se mais fácil para mim a escrita deste texto.)
Primeiro que tudo, acho que é importante percebermos os vários termos associados ao cosleeping, pois existem nuances que podem fazer toda a diferença em termos de segurança. James Mckeena, PhD, investigador do Laboratório de Comportamento do Sono das Mães e Bebés da Universidade de Notre Dame nos EUA, define cosleeping como “qualquer situação em que a mãe/pai/cuidador e o bebé conseguem detetar-se sensorialmente (sentir, ouvir, ver, cheirar…) durante o sono de forma a que cada um dos participantes possa detetar e responder aos sinais emitidos pelo outro.”
Existem inúmeras formas de praticar cosleeping, umas talvez mais seguras que outras. Uma forma será ter o bebé a dormir na cama com o cuidador (também chamado de bedsharing, o que praticamos atualmente). Outra forma será ter o bebé a dormir numa outra superfície que não a cama dos pais em proximidade com o cuidador (como num mini-berço acoplado à cama, por exemplo). Existem muitas outras soluções que foram sendo desenvolvidas e praticadas por diversas culturas ao longo dos tempos. Por outro lado, dormir no mesmo quarto que o bebé - o roomsharing - mas com alguma distanciação (separação sensorial onde o bebé e o cuidador não se sentem durante o sono) não deverá ser incluído no termo cosleeping pois não permitirá o efeito dos seus benefícios.
A nossa experiência
A nossa história de cosleeping começou logo na maternidade e surgiu naturalmente. Dadas as circunstâncias de um pós-parto bem doloroso e de um bebé que parecia indiscutivelmente mais calmo quando estava na cama com a mãe, o JD dormiu sempre na cama comigo durante a estadia na maternidade. Nunca senti que não fosse seguro, que pudesse rolar para cima dele por exemplo. Por um lado, eu tinha tantas dores que era impossível para mim mexer-me sem acordar. Por outro, e outras mães com certeza vão compreender-me neste aspeto, os meus sonos eram (e ainda são) tão leves que ao mais pequeno grunhido do JD eu acordava (e geralmente ainda acordo).
Chegados a casa, o JD continuou a dormir na nossa cama, seguindo algumas regras de segurança(superfície lisa e limpa, de barriga para cima, com cobertas independentes, sem almofadas em redor, etc). Não só era mais confortável para mim, para a minha recuperação e para estabelecer a amamentação mas também continuei a notar que ele precisava dessa proximidade para estar mais calmo. Quando começou a ser confortável para mim e para ele, passou então a fazer as noites no mini-berço acoplado à nossa cama (daqueles que ficam face a face, ao mesmo nível da cama, como este), muitas vezes de mão dada comigo, mantendo sempre muita proximidade durante o sono. Durante o dia dormia muitas vezes no meu colo ou no pano, mas também no berço sozinho, sempre que eu precisava de me afastar ou no início da noite antes de eu ir para a cama (é um risco que decidimos correr). Desde que se senta e se levanta sozinho (desde os oito meses), como se começou a pendurar na extremidade do mini-berço, fica então na nossa cama, entre a mãe e o pai pois sentimos que é mais seguro desta forma.
O JD é sempre embalado para dormir ou adormece na maminha. Acorda múltiplas vezes durante a noite (o que é desejável para um bebé, já falarei sobre isso), mama, volta a adormecer. De manhã acorda cheio de energia, senta-se, pendura-se sobre mim ou sobre o pai e nós acordamos. Ele dá-nos um sorriso enorme que nos enche o coração. Ficamos neste namoro uns 10-20 minutos, neste acordar delicioso e preguiçoso, sem pressas (porque os nossos horários assim o permitem, o que é uma bênção), com muitos beijinhos e miminhos, até que nos levantamos para iniciar o dia. E a cama transborda alegria. Hoje o JD tem dez meses e cá continuamos a partilhar as noites na mesma cama e assim será até funcionar para todos e cada um de nós nesta família.
Não me imagino a dormir de outra forma e acredito que estamos a fazer o melhor para nós (pais e filho), que certamente será diferente do que outras famílias consideram ser o seu melhor porque somos todos diferentes e temos necessidades diferentes.
Porque praticamos cosleeping
O cosleeping permite-me descansar mais, permite-me atender ao meu bebé com mais prontidão, permitiu-me estabelecer a amamentação com sucesso e mantê-la e tem-nos proporcionado noites tranquilas com raras exceções. (E quando digo tranquilas não é no sentido de dormir a noite toda mas sim no sentido de que seguimos os nossos ritmos sem stresse e dormimos os três mais tranquilos porque todos nos sentimos mais seguros desta forma, e é sabido que a entrega ao sono depende muito do sentimento de segurança.)
O cosleeping permite-me descansar mais, permite-me atender ao meu bebé com mais prontidão, permitiu-me estabelecer a amamentação com sucesso e mantê-la tem-nos proporcionado noites tranquilas com raras exceções.
O JD, sendo um bebé amamentado em livre demanda, é expectável (e desejável) que acorde múltiplas vezes durante a noite. Ao contrário da expetativa cultural (já perdi a conta às vezes que me fizeram a pergunta “já dorme a noite toda?”), não é natural que os bebés amamentados durmam a noite toda (embora possa acontecer). O que é expectável, natural e até desejável, é que o bebé acorde múltiplas vezes durante a noite, para mamar, para procurar conforto, porque tem xixi ou cocó, etc…
Este acordar é desejável pois é um mecanismo de defesa contra a hipoglicemia e a síndrome de morte súbita do lactente (SMSL). Segundo James Mckeena, PhD, investigador do Laboratório de Comportamento do Sono das Mães e Bebés da Universidade de Notre Dame, não é desejável que o bebé entre artificialmente em sonos profundos que o façam dormir a noite toda (o que acontece muitas vezes como resultado dos “treinos de sono” ou do famoso biberão de suplemento à noite para “dormir melhor”, que acredito que seja dado com as melhores das intenções porque todos fazemos o melhor que sabemos). A proximidade com o cuidador durante o sono e este acordar frequente permitem que haja uma sincronia dos ritmos cardiorrespiratórios, o que tem um efeito protetor contra a SMSL. O bebé é constantemente relembrado que tem de respirar. Isto pode explicar a baixa taxa de SMSL nos países em que o cosleeping faz parte da prática cultural.
(…) não é desejável que o bebé entre artificialmente em sonos profundos que o façam dormir a noite toda.
Além disso, tal como a Laura Sanches, psicóloga clínica, tão bem explica neste artigo, “é nas mamadas da noite que a mãe segrega mais prolactina, uma hormona que influencia a produção de leite, por isso estas são muito importantes nos primeiros tempos para manter a produção de leite”. Assim, o foco não deverá ser fazer com que o bebé durma a noite toda mas sim arranjar formas dos pais descansarem mais sempre que possível, e aqui o cosleeping sempre foi para nós uma ajuda preciosa.
Para mim sempre foi impensável tê-lo a dormir noutro quarto. Nunca dormiria descansada com a preocupação e a dúvida de que se ele estaria bem, de que eu não o ouvisse se acordasse. Acredito que ouviria o seu choro mas não faz parte da nossa filosofia deixá-lo chegar ao ponto do choro alto para mamar. Eu tento dar-lhe mama sempre que ele me dá sinais de que quer, sinais esses que antecedem o choro. Durante a noite, por exemplo, sempre que ele fica inquieto e faz uns grunhidos, sei que precisa de maminha.
Tal como a Laura explica no seu livro “Mindfulness para pais” (Editora Manuscrito, 2016), o choro num bebé é tão natural como os gritos num adulto. Quando um bebé chora já há um sistema de alerta que foi ativado e toda uma resposta de stresse que se desenrola e que não é benéfica se ocorre outra e outra e outra vez. Clementina Almeida, psicóloga clínica, fundadora e investigadora do BabyLab da FPCE-UC e autora do livro "Socorro! O bebé não dorme" (Porto Editora, 2017), afirma nesta entrevista que "em termos neurológicos, quando os bebés estão a chorar estão em stresse, estão a pedir ajuda porque dependem do outro para sobreviver e, por isso, libertam cortisol — o cortisol em excesso e durante longos períodos (ou períodos repetidos) vai literalmente queimar neurónios. ".
Também não seria hipótese para nós utilizarmos um intercomunicador para ouvir o bebé do nosso quarto pois não nos sentiríamos confortáveis com a presença desse tipo de aparelhos cá em casa (sem julgamentos sobre quem usa).
(…) o choro num bebé é tão natural como os gritos num adulto.
O cosleeping ajuda-nos a estabelecer um apego seguro com o nosso bebé. O tipo de apego que estabelecemos nos primeiros tempos de vida com a nossa figura de referência determina a nossa relação com o mundo. Mais uma vez, recorrendo ao livro da Laura Sanches, um apego seguro é aquele que “se forma quando a mãe, durante a maior parte do tempo, está disponível para cuidar das necessidades da criança e quando tem a sensibilidade que lhe permite responder, a maior parte das vezes, de forma adequada”.
Este tipo de vínculo tem sido relacionado “com uma melhor capacidade de estabelecer relações interpessoais gratificantes, saudáveis e significativas, uma melhor capacidade de integração ao nível escolar e um melhor desempenho académico, menor número de problemas comportamentais, melhor capacidade de lidar com o stresse e de gerir desafios, e até de uma melhor saúde na idade adulta.”. Assim sendo, ao contrário das crenças populares de que as crianças que dormem com os pais serão demasiado mimadas e nunca serão independentes poderá não passar disso mesmo, de crenças, porque aquilo que a ciência nos diz é precisamente o oposto.
E para além de todos estes benefícios que a ciência explica há também a nossa grande vontade de partilharmos o mesmo espaço para dormir e de mantermos esta relação de apego. Sentimo-nos como uma pequena tribo que se recolhe à noite no mesmo abrigo para descansar. Acredito que sem esta nossa vontade o cosleeping nunca iria funcionar e não nos iria proporcionar estes benefícios.
(…) ao contrário das crenças populares de que as crianças que dormem com os pais serão demasiado mimadas e nunca serão independentes poderá não passar disso mesmo, de crenças, porque aquilo que a ciência nos diz é precisamente o oposto.
Sinto que na nossa sociedade dormir com os filhos (quer sejam bebés quer sejam maiores) ainda é visto como algo de errado e até impensável, de prejudicial para as crianças e para a relação de intimidade dos pais. Por um lado penso que isto acontece porque muitos pais desconhecem os benefícios do cosleeping ou porque ainda não ponderaram essa possibilidade uma vez que o mais vulgar e culturalmente aceite é que os bebés e crianças durmam nos seus quartos. Por outro lado, parece-me que há uma sexualizaçãodo “estar na cama com” que nos faz sentir quase envergonhados e culpados por estarmos na cama com os nossos filhos. Isso pode explicar o facto de que quando os pais, uma vez por outra, deixam os seus filhos dormir nas suas camas tenham muita vergonha de o admitir e sintam-se culpados quando acontece. A Laura explica muito bem porque é que isso acontece neste artigo, abordando a prevalência das teorias Freudianas no nosso pensar corrente.
Há também o receio de que as crianças nunca se mudem para as suas camas e se tornem muito dependentes, neste e noutros aspetos das suas vidas. Como já referi anteriormente, a ciência mostra precisamente o contrário, que este apego nos primeiros tempos de vida é essencial para a construção da independência e da autoconfiança das crianças. Estabelece-se uma relação com base na confiança em que a criança quererá naturalmente agradar e cooperar com os pais. Não há estudos que demonstrem que se as crianças não forem para as suas camas e para os seus quartos na idade “x” não serão independentes ou capazes de adormecer sozinhas um dia.
Na minha opinião, tudo tem o seu ritmo natural e uma altura própria para acontecer. Antes de escrever este artigo, por curiosidade, procurei várias famílias que praticam ou praticaram cosleeping com os seus filhos e o que frequentemente acontece nestas famílias, que dão espaço e tempo para que os ritmos dos seus filhos se desenrolem naturalmente, é que são eles próprios que pedem para começar a dormir nas suas camas e nos seus quartos quando se sentem preparados para tal. E tudo acontece naturalmente, sem choros, sem dramas, de forma espontânea.
(…) este apego nos primeiros tempos de vida é essencial para a construção da independência e da autoconfiança das crianças.
Depois há a questão da intimidade do casal. Muitos casais sentem que ao trazerem os filhos para as suas camas isso poderia afetar a sua intimidade, o que considero perfeitamente compreensível. No nosso caso, não sentimos que a presença do bebé na nossa cama afete a nossa intimidade mais do que afetaria se ele estivesse no quarto ao lado. Para nós sempre existiram outras horas do dia e outros locais para trocarmos essa intimidade, e aqui pode ajudar o facto dos horários de trabalho do pai serem um pouco diferentes do tradicionale a minha flexibilidade de horários enquanto trabalhadora independente. Mas mesmo com horários tradicionais, não acredito que a nossa intimidade ficasse afetada por termos o nosso filho na nossa cama. Na realidade, a chegada de um filho pode sempre abalar a intimidade dos pais, esteja ele no mesmo quarto ou no quarto ao lado, e há que ser criativo para manter essa intimidade e garantir que a relação entre os pais não é afetada.
(...) a chegada de um filho pode sempre abalar a intimidade dos pais, esteja ele no mesmo quarto ou no quarto ao lado, e há que ser criativo para manter essa intimidade e garantir que a relação entre os pais não é afetada.
E há ainda a questão da segurança. Muitos pais não se sentem seguros em dormir com os seus bebés. De facto, há tantas formas de o fazer em segurança como de o fazer de forma perigosa. Por exemplo, adormecer num sofá ou numa poltrona com um bebé pequeno nos braços pode de facto ser perigoso pois pode facilmente escorregar-nos. Dormir na mesma cama com um bebé pequeno e outras crianças sem qualquer separação física pode também ser perigoso. Colocar um bebé na mesma cama com alguém sobre efeito de álcool ou drogas é extremamente perigoso. Dormir na presença de pais fumadores é também perigoso. Dormir na mesma cama com bebés que não são amamentados também pode representar um risco pois os ritmos de sono da mãe e do bebé são diferentes.
Mas existem formas seguras de o fazer. Usar um mini-berço acoplado à cama talvez seja uma das formas mais seguras de praticar o cosleeping, sobretudo com bebés pequenos. Mas também é possível praticá-lo de forma muito segura na mesma cama, usando um ninho por exemplo e minimizando assim o risco dos pais rolarem sobre o bebé. Podem tomar conhecimento de todas as regras de segurança do cosleeping aqui. Mas saliento que para ser benéfico para todos é fulcral que todos se sintam em segurança. Se uma mãe não se sente segura em dormir com o seu bebé certamente será uma mãe que terá dificuldades em descansar com a presença deste na sua cama, ficará ansiosa e o seu bebé sentirá esta ansiedade. Assim penso que o cosleeping deixa de fazer sentido.
Colocar um bebé na mesma cama com alguém sobre efeito de álcool ou drogas é extremamente perigoso.
Li algures na internet alguém que dizia que as crianças não deveriam dormir com os pais pois assim não aprenderiam que o seu lugar na família não é igual ao do pai e ao da mãe. Nesta ordem de raciocínio então também não deveríamos partilhar a mesa onde comemos todos juntos, nem o carro onde vamos todos juntos passear.
Este distanciamento, que tantas vezes impomos aos nossos filhos com medo de que não aprendam o seu lugar, de que não se tornem independentes, parece-me sempre tão frio e tão fora dequilo que procuramos ser a dinâmica da nossa família. Não procuramos criar elos com base no medo, no autoritarismo e na obediência cega. Preferimos uma dinâmica familiar com base na confiança e no respeito mútuo, na cooperação entre todos nós, onde a identidade de cada um de nós é válida e respeitada, onde nós pais somos mentores que ajudamos a conhecer o mundo, com os seus limites e regras, mas com a humildade de reconhecer que temos tanto para ensinar como para aprender com os nossos filhos. Somos pelo apego, pelo dormir juntinhos e somos felizes assim.
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