O tema de hoje pode parecer um bocadinho fora (afinal isto não é um blog de moda...) mas na realidade está muito relacionado com a busca de uma vida mais simples, mais natural, mais ecológica e harmoniosa.
Estamos na recta final da Fashion Revolution Week, uma iniciativa com o objetivo de despertar a nossa consciência sobre o impacto do nosso consumo de fast fashion na humanidade e no ambiente, e nos desafia a questionarmo-nos quem fez as nossas roupas e em que condições (#whomademyclothes).
Hoje partilho convosco o meu armário cápsula.
Para quem nunca ouviu falar deste conceito, o armário cápsula consiste em selecionar um número limitado de peças de roupa, acessórios e calçado que corresponda efetivamente ao que vamos utilizar numa estação. Tudo o resto é retirado do nosso armário (podendo ser dado, vendido ou guardado noutro local) de forma a simplificar esta tarefa diária que por vezes é tão avassaladora: decidir o que vestir. Há quem lhe chame projeto 333 (333 Ptoject) em alusão às 33 peças selecionadas para utilizar em 3 meses, mas o número de peças é flexível e adaptado à vida e gosto de cada um.
Há muito tempo que tenho tentado destralhar a minha casa (e a minha vida) e tem sido um processo de aprendizagem muito compensador. Tenho aprendido a praticar o desapego aos bens materiais e a valorizar o que realmente é importante. Afinal de contas, devemos usar coisas e amar pessoas e não o inverso. Além disso, viver rodeada de demasiada tralha, que se acumula e fica desarrumada criando confusão visual, dificuldade em limpar o espaço e em mantê-lo em ordem, tem efeitos negativos na nossa clareza de raciocínio e tranquilidade de espírito. Clear space, clear mind - menos é mais.
Sempre fui um pouco viciada em acumular roupa e seguir modas e cheguei à conclusão que acabava por usar sempre um número muito limitado das coisas que tenho, porque são as que me faziam sentir confortável ou porque simplesmente o armário estava tão caótico que nem as encontrava quando queria.
Por isso, este último inverno fiz um destralhe global da minha roupa: dei muita coisa, coloquei na loja de roupa em segunda mão de uma prima outra tanta, e algumas coisas tentei vender eu própria. Vendi algumas coisas e outras ainda ficaram guardadas à espera de uma decisão final. Comprei algumas peças chave que me faltavam e que iriam permitir funcionalizar as restantes e pela primeira vez adquiri algumas peças em segunda mão.
O que tive em conta na construção do meu armário cápsula:
1. Escolhi uma paleta de cores de acordo com o meu estilo, com o que já possuía e que combinassem entre si (cores neutras como o branco, o preto e o cinza, a ganga, o verde tropa e o rosa claro).
2. Evitei padrões muito marcados e peças de fast fashion (peças que hoje estão na moda e adoramos, amanhã deixam de estar e detestamos), tendo preferência para artigos intemporais.
2. Percorri toda a minha roupa, calçado e acessórios e separei tudo em 5 montes:
a. Para o lixo (tudo o que estivesse realmente velho, sem recuperação possível)
b. Para dar (tudo o que estivesse em bom estado mas sem grande interesse para vender)
c. Para vender (peças realmente boas, que foram caras ou com possível interesse para vender)
d. Para usar (aquelas que tinha a certeza absoluta que iria usar)
e. Roupa para guardar (roupa para a gravidez, roupa para cerimónias)
3. Eliminei todas as peças que não me serviam, com as quais não me sentia confortável, que não me permitissem amamentar facilmente (adeus vestidos...) ou que simplesmente já não gostava. Ficou só a nata da nata!
4. Identifiquei algumas peças chave que faltavam no meu armário cápsula e que me iriam permitir usar todas as restantes. Tentei que estivessem dentro da minha paleta de cores, que fossem multi-funcionais e que não requeressem grandes cuidados (como lavar à mão ou passar a ferro). Tentei encontrá-las primeiro em segunda mão, depois em comércio local com roupa nacional e só em último caso recorri às grandes cadeias.
5. Para adquirir as peças que me faltavam fui muito seletiva nas cores, tecidos e padrões. Isso exigiu alguma busca, tempo e paciência. Tudo fez parte do exercício de aprender a não comprar por impulso.
6. Tentei que todas as peças de roupa, sapatos e acessórios rondassem um total de 30, embora fosse flexível neste número (ajudou-me a selecionar).
7. No armário cápsula não são contabilizadas a roupa interior, a roupa de desporto e a roupa de andar por casa, que eu de qualquer das formas destralhei à séria também.
As vantagens que notei ao ter um armário cápsula:
1. Foi muito mais fácil escolher o que vestir a cada dia.
2. Apesar de ter muito menos peças acabei por me vestir de forma mais variada.
3. Como todas as peças no meu armário eram peças com as quais me sentia bem e gostava acabaram as neuras à hora de vestir (aquelas que temos quando tentamos caber nuns jeans que estão apertados desde os tempos da faculdade mas que continuamos a guardar só para o caso de emagrecermos...).
4. Acabaram as compras de roupa por impulso. Só comprei realmente aquilo que estava em falta no meu armário cápsula.
5. Fiquei com mais espaço livre (físico e mental).
6. Ganhei uns trocos com a roupa que vendi em segunda mão (não muito mas melhor do que nada....).
7. Senti uma enorme satisfação em poder dar roupa a quem mais precisa.
8. Senti uma enorme satisfação em saber que estou a reduzir a minha pegada ecológica ao consumir menos fast fashion.
9. Senti muita satisfação em saber que estou a simplificar a minha vida, a aprender a valorizar o que realmente é importante e a praticar o desapego aos bens materiais.
Sobre o meu armário cápsula:
Decidi partilhar convosco a imagem das peças que fizeram parte do meu armário cápsula só para o caso de terem curiosidade. Tenham em conta que estas são peças adaptadas ao meu gosto, ao meu estilo e à minha vida pessoal e profissional. Eu trabalho a partir de casa, por conta própria, e por isso passo 70 % do meu tempo em roupa confortável de andar por casa (calças de fato de treino e sweaters) e só uso esta roupa fora de casa ou quando recebo visitas. Como tal, não sujo muita roupa nem tenho a necessidade de a variar todos os dias (muito diferente para quem tem um trabalho que exige um estilo mais formal).
Não há certo nem errado aqui. Construir um armário cápsula é também um exercício de aprendizagem e de ir vendo o que funciona e não funciona. Os erros são permitidos!
Falando um bocadinho de cada peça:
1, 2 e 3 - camisolas finas 100 % algodão, branco, preto e cinza. Comprei numa boutique da terrinha e são made in Portugal. Eram peças que me faltavam para poder usar por baixo das camisolas mais grossas. Usei muito mesmo e gosto muito delas pois são quentinhas e confortáveis.
4, 5, 6 e 7 - camisas/blusas, branca, cinza, ganga, padrão. A branca e a cinza já tinha e usei uma única vez cada. A camisa de ganga comprei em segunda mão. Usei várias vezes e vai passar para o armário cápsula primavera – verão. A camisa preta com padrões florais brancos não usei uma única vez porque não é prática para amamentar e não gosto muito do toque do tecido. Só a incluí no armário cápsula porque foi muito cara mas suponho que é tempo de partir...
8 e 9 – camisolas de algodão leves, riscas e cinza. Comprei numa loja de uma grande cadeia pois não consegui encontrar o que queria nas minhas primeiras escolhas. Tinha estas peças em falta porque não tinha camisolas intermédias para dias de outono. Usei bastante e vão passar para o meu armário de primavera – verão.
10, 11, 12 e 13 – camisolas grossas de inverno, cinza e preto, malha e textura croc. Já as tinha a todas há vários anos e usei as quatro muito e de forma equivalente.
14 e 15 – casacos de malha sem botões, cinza e rosa claro. Já os tinha anteriormente. O rosa usei uma única vez. O cinza nem lhe toquei, não é prático porque é muito grosso mas não o suficientemente quente para eliminar um casaco de fazenda nos dias frios. No entanto, gosto deles e ainda não me sinto preparada para os abandonar...
16 – parka "dois em um", verde tropa. Comprei em segunda mão. Dá para retirar o forro e fica uma parka mais leve para outono e primavera. Usei muito. No entanto, a qualidade não é a melhor (desvantagens de comprar online). Está descosida e precisa de arranjo.
17 – casaco de fazenda, cinza. Já tenho este casaco desde 2011 e sempre gostei muito dele. É quente, confortável e combina com toda a minha roupa. Usei muito.
18 – casaco vegan estilo motorbike, preto. Comprei em segunda mão pois queria um casaco de estilo intemporal para dias em que faz menos frio e não chove que desse para todo o ano. Não usei muito porque quando o adquiri já fazia muito frio e ele não é muito quente. Mas gosto dele e penso que vou usá-lo mais agora na primavera ou nas noites de verão.
19 – calças de ganga estilo boyfriend. Já são velhinhas (vieram comigo dos EUA em 2012) e são as minhas calças preferidas (uso sempre que estão lavadas). São largas, descontraídas e as mais confortáveis que tenho. São um bom indicador de que este é o meu estilo de calças de ganga.
20 – skinny jeans de ganga elástica. Comprei porque precisava de calças e achei que este estilo fazia falta ao meu armário cápsula. Usei algumas vezes mas não gosto muito delas. Detesto sentir as pernas apertadas e ter de andar sempre a puxá-las para cima porque descaiem. Não fui feita para skinny jeans....Têm de partir!
21 – calças de ganga pretas corte slim. Comprei porque as pretas que tinha deixaram-me de servir depois da gravidez. Estas são de uma grande cadeia e são muito confortáveis. Usei muito e vão continuar no armário o resto do ano.
22 – jogglers pretas em tecido leve. Não usei muito porque o tecido é demasiado fino para o inverno mas penso que vou usar muito na primavera e verão. Têm a desvantagem de se amarrotarem e requererem ferro. Vamos ver...
23, 24, 25 e 26 – golas e gorros de lã sintética. Decidi incluir no armário cápsula porque estavam dentro dos tons e fiquei com pena dos abandonar...Usei muito nos dias de neve quando vivi em Bruxelas (2011) e andava de transportes públicos e a pé. Aqui nunca senti frio o suficiente para os usar (aqui é Portugal Joana, lembras-te??). Só usei a gola preta algumas vezes, tudo o resto não usei...
27 – ténis vegan pretos. Adoro usar ténis e usei sempre que não choveu. Já tinha uns assim e agora recebi estes da Verney (calçado cruelty-free nacional). Como uso muito vou manter os dois pares na primavera e verão e assim posso ter um par para ir ao campo com o JD (para sujar) e outro par mais cuidado para outras ocasiões.
28 – sapatos de salto pretos. Já tenho estes há muito tempo e são made in Portugal também. Apesar de detestar usar saltos achei melhor guardar este par caso surgisse alguma ocasião para os usar. Sempre tive muita dificuldade em arranjar sapatos de salto confortáveis para os meus pés (tenho o pé largo) mas estes são bastante confortáveis e por isso quero mantê-los apesar de os ter usado apenas uma vez neste outono – inverno.
29 – botins em borracha pretos. Comprei-os este outono numa sapataria portuguesa (são made in Portugal). São de borracha mas têm uns detalhes giros que os tornam nuns botins aceitáveis para qualquer ocasião (pelo menos para mim). Foram perfeitas para os dias de chuva e são muito confortáveis. Usei muito e continuam impecáveis.
30 – mochila vegan rosa. Comprei-a no verão passado e é made in Portugal também. Há muito que troquei as malas ao ombro pelas mochilas e agora sendo mãe mais impensável é usar mala ao ombro. Esta foi a única mala que usei e é tão bom não ter de transferir o seu conteúdo de mala em mala só para condizer com a roupa...
A inspiração
Penso que a primeira vez que me cruzei com o conceito de armário cápsula foi no blog Ana, go slowly. Fiquei fascinada com o conceito, e na altura já tinha percebido que o minimalismo era o caminho, e decidi pesquisar mais sobre o tema.
No Youtube encontram inúmeros vídeos a exemplificar como construir um armário cápsula e há estilos para todos os gostos, desde pessoas que guardam toda a sua roupa (e pertences) numa mochila e andam a viajar pelo mundo, a pessoas que têm armários cápsula mais extensivos e um pouco exagerados para mim. A ideia é encontrar o número de peças e o estilo que nos faça feliz!
Descobri ainda dois casos que me marcaram muito e que me abriram os olhos para perceber que isto de ter várias peças de roupa porque nos fazem falta é tudo uma ilusão da sociedade em que vivemos: uma mulher que passou um ano inteiro a vestir apenas o mesmo vestido preto (lavava-o à noite quando necessário e de manhã estava seco) (entrevista aqui) e outra mulher que escolheu um outfit como sendo o seu “uniforme pessoal" (calças pretas e camisa branca com um laço) e todos os dias o utilizava no trabalho (vídeo aqui). Acho ambos os casos extraordinários e exemplos de mulheres com muita coragem!
Depois descobri também a Marie Kondo, uma jovem mulher japonesa conhecida a nível mundial pela seu bestselling mundial traduzido para português como “Arrume a sua casa, arrume a sua vida” e pelo seu trabalho de ajudar as pessoas a destralhar e arrumar as suas casas (konmari method). A Marie Kondo defende que devemos guardar apenas aquilo que nos traga alegria (independentemente de a peça ser usada ou não) e devemos senti-lo ao pegar em cada peça na altura de selecionar. Ela também ensina a dobrar a roupa de uma forma fascinante que facilita muito a arrumação e a escolha das peças na hora de vestir (vídeo aqui) e que eu tenho utilizado cá em casa.
E é isto! Espero que tenham gostado deste artigo e que vos tenha despertado o bichinho do minimalismo e de uma vida mais harmoniosa no que toca ao nosso consumismo. Talvez partilhe aqui o meu armário primavera verão quando estiver pronto.
Até breve,
Joana
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