Hoje retomamos o tópico "Nutrientes a Considerar numa Dieta Vegana" da rubrica More Info Mondays aqui no blog para falar de um nutriente (tecnicamente aproxima-se mais a uma hormana do que a um nutriente) cuja carência afeta cada vez mais pessoas e é já considerada uma pandemia do século XXI, o que pode ser um reflexo do nosso estilo de vida atual.
Hoje vamos falar de vitamina D.
Também conhecida como a vitamina do sol, a vitamina D é única e diferente de todas as outras porque pode ser sintetizada na quantidade necessária pela pele, desde que haja exposição solar suficiente. E uma vez que nem sempre é necessário ser fornecida pela alimentação e também porque funciona como uma hormona, tecnicamente esta vitamina poderia não ser considerada como um nutriente [1].
Classificações à parte, a vitamina D é essencial a inúmeras funções no nosso organismo, sendo a mais evidente a regulação dos níveis sanguíneos de cálcio e fósforo e consequente manutenção da saúde óssea.
Muitas outras funções têm sido investigadas e associadas a esta vitamina e hoje sabe-se que a vitamina D desempenha um papel global e abrangente na homeostasia do organismo, uma vez que os seus metabolitos naturais desempenham funções essenciais em diversos órgãos [2]. São inúmeros os órgãos que possuem receptores para a vitamina D e para os seus metabolitos. Além disso, estes parecem controlar, direta ou indiretamente, mais de 200 genes envolvidos na regulação da proliferação celular, diferenciação, angiogénese e apoptose [3]. Mais. a deficiêcia em vitamina D está presente em muitas patologias, sobretudo diversas formas de cancro [4], doenças da pele [5] e doenças do sistemas imunitário [6].
A Vitamina D e a saúde Óssea
A vitamina D tem um papel fundamental na regulação dos níveis de cálcio e fósforo no nosso organismo, dois minerais importantíssimos da estrutura óssea.
Tal como as outras vitaminas lipossolúveis, a vitamina D é armazenada no fígado e tecido adiposo. E tal como com as restantes vitaminas lipossolúveis, é possível subsistir durante dias, semanas ou mesmo meses a partir destas reservas.
Sempre que necessário, o fígado e os rins convertem vitamina D armazenada na sua forma ativa calcitriol. O calcitriol atua em sintonia com duas hormonas (a hormona paratiroideia e a calcitonina) no controlo dos níveis sanguíneos de cálcio e fósforo, influenciando a ação dos rins, intestino delgado e osso.
- quando os níveis de cálcio no sangue são baixos, estas hormonas funcionam em sintonia de forma a aumentar a absorção de cálcio no intestino delgado, a reduzir a excreção de cálcio na urina pelos rins e a aumentar a libertação de cálcio da matrix óssea para o sangue;
- quando os níveis de cálcio no sangue são elevados, estas hormonas funcionam no sentido inverso, depositando o cálcio nos ossos, promovendo a excreção de cálcio na urina pelos rins e reduzindo a absorção de cálcio no intestino delgado.
Fontes de Vitamina D
- Sol
Em teoria, toda a vitamina D que necessitamos pode ser sintetizada na nossa pele por ação dos raios UV solares. Aliás, a nossa alimentação parece conseguir fornecer apenas 10 % das nossas necessidades [1].
É dificil calcular o tempo exato de exposição solar necessária para sintetizar a quantidade de vitamina D necessária para cada indivíduo, uma vez que esta depende de diversos fatores como latitude, altura do ano, hora, coloração de pele, condições meteorológicas. área da pele exposta, idade, uso ou não de filtros solares e as nossas reservas. No entanto, já existem aplicações e programas que fazem um cálculo aproximado tendo em linha de conta a grande maioria destes fatores.
As recomendações gerais sugerem que uma exposição solar sem filtros solares dos braços e pernas durante 5 a 30 minutos entre as 10 h e as 15 h, duas vezes por semana (Primavera e Verão) poderá atingir as necessidades em vitamina D [2].
Fazendo uma simulação neste site para esta altura do ano para um caucasiano, em Lisboa, com céu parcialmente nublado por volta do meio dia, a exposição recomendada para suprir as necessidades diárias são 19 minutos de exposição da face, mãos e braços. Se for em Julho, serão apenas 6 minutos.
Felizmente, não deverá ser muito difícil para nós portugueses expormo-nos ao sol 20 minutos no inverno e 6 minutos no verão. Temos ainda a sorte de termos acesso facilitado às praias e alguns dias de praia no verão poderá ajudar-nos a garantir reservas de vitamina D suficientes para sobreviver ao inverno.
- Alimentação
Como já foi referido, a alimentação parece conseguir fornecer apenas 10 % das nossas necessidades em vitamina D, sendo que a síntese na pele por ação da radiação solar pode fornecer 90 a 100 % das mesmas.
Existem poucos alimentos que forneçam naturalmente vitamina D, sendo que a maior parte da vitamina D obtida na alimentação provém de alimentos artificialmente fortificados. A fortificação de alimentos com vitamina D (e outras vitaminas) tornou-se prática habitual há algumas décadas atrás, com a identificação de carências nutricionais em percentagens consideráveis da população, sobretudo em países onde a exposição solar é muito reduzida.
Os alimentos vegetais são pobres em vitamina D, à exceção dos cogumelos, desde que tenham sido expostos ao sol, e de alimentos fortificados. Dos alimentos de origem animal, os que poderão fornecer alguma vitamina D são os óleos de peixes gordos, a gema de ovo e fígado. No entanto, dado que estes alimentos trazem inúmeros malefícios para a saúde e para o ambiente e implicam exploração animal à custa de poder fornecer cerca de 10 % das nossas necessidades em vitamina D, será o seu consumo justificável?
A obtenção de vitamina D através da exposição solar não é apenas essencial para veganos e vegetarianos mas sim para todos nós.
Deficiência em vitamina D
A deficiência de vitamina D constitui uma verdadeira pandemia da sociedade atual, e a sua prevalência está a aumentar em todo o mundo e tem-se vindo a agravar nos últimos anos. Atualmente, segundo dados de estudos internacionais, a deficiência em vitamina D afeta a grande maioria dos idosos e atinge entre 30% a 50% da população geral [7].
Esta prevalência elevadíssima estará certamente relacionada com as alterações profundas da nossa sociedade e do nosso modo de vida, cada vez mais distante da nossa essência enquanto espécie. As principais causas para esta pandemia, segundo especialistas, são sobretudo:
- a redução da exposição solar: menos trabalho ao ar livre, mais tempo dentro de edifícios, mais horas de permanência das crianças nas escolas e menos tempo de brincadeira ao ar livre, maior taxa de permanência de idosos em lares e hospitais,
- o aumento da utilização de protetores solares com filtros UVB: a fobia aos raios UV foi incitada de forma exagerada e o seu uso é erroneamente incentivado mesmo fora das horas de perigo e mesmo no dia a dia em produtos de higiene diária, como os cremes de rosto com filtros solares [7].
Quando há depleção prolongada das reservas de vitamina D, apenas 10 a 15 % do cálcio dietário consegue ser absorvido, o que terá um impato na saúde óssea podendo levar a patologias como raquitismo (nas crianças), osteomalácia e osteoporose.
E dado o importante papel da vitamina D na homeostasia do nosso organismo, a sua deficiência poderá contribuir para o desenvolvimento de muitas outras patologias, como o cancro, doenças de pele, doenças musculares, doenças cardiovasculares e doenças neurológicas [8].
Suplementação e Toxicidade
Tal como as restantes vitaminas lipossolúveis, a vitamina D em excesso pode ser tóxica. Isto acontece porque as nossas reservas têm um limite superior que, ao ser ultrapassado, fará com que níveis excessivos desta vitamina andem em circulação e atuem nos inúmeros recetores espalhados por todo o organismo, exercendo efeitos indesejáveis.
A exposição solar não conduz a produção excessiva de vitamina D. Esta é mais uma pista que esta é a fonte mais importante e segura para a obtenção desta vitamina.
Por outro lado, a suplementação, quando feita de forma não controlada, pode levar facilmente à toxicidade. A primeira consequência desta toxicidade é a hipercalcémia (níveis de cálcio no sangue elevados), a qual tem diversas consequências em diversos orgãos, como a deposição de cálcio em tecidos moles e órgãos, depressão, perda de massa óssea e muitas outras consequências, incluíndo cancro [9].
A suplementação de vitamina D poderá ser necessária e benéfica em determinadas situações mas deverá ser feita sob apertado controlo de um profissional de saúde.
A prevenção será sempre o melhor remédio e como tal, os nossos comportamentos relativamente à exposição solar enquanto sociedade precisam de ser modificados e ajustados às nossas necessidades reais.
Nós moldamos a sociedade em que vivemos e se a exposição solar é essencial ao nosso bem estar então é da nossa responsabilidade procurá-la sempre que possível.
Será uma pausa para apanhar sol menos aceitável do que uma pausa para beber um café e fumar um cigarro?
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